domingo, 18 de janeiro de 2009

FILME RATATOUILLE PROVOCA NOVA ORDEM PARA PROJETOS DE VIDA.


Filme Ratatouille provoca nova ordem para projetos de vida
Como imaginar um rato cozinheiro? É pensar o impossível. É subverter a ordem natural por outra lógica. A arte do cinema de animação possibilita a viagem e o encontro não de um cozinheiro comum, mas alguém que vê nos ingredientes da comida um caminho para revelar os segredos que o sabor provoca em todo nosso corpo: o prazer.

Os humanos têm coisas fantásticas, afirmou o rato. Eles não vivem somente para comer. Não são como os ratos. Têm outras possibilidades para ser mais. A criatividade e a imaginação fazem a diferença. As possibilidades dadas pela capacidade de criar não limitam o caminho percorrido. Assim como as descobertas, desde as mais corriqueiras, como o modo de andar (com cuidado para não alterar o sabor), de escrever e contar histórias, sejam elas receitas de comida, que levam a abrir horizonte e perceber o mundo e as possibilidades de ser mais e se encantar com o novo.

O rato é levado pela sua imaginação a ir para o alto. Com fome, perdido, longe da família; ou seja, sem nenhuma condição possível, ele subverte todos os desejos imediatos para buscar outro que o leva a ampliar seu olhar. E descobre que, do lugar onde está, é possível ver toda “Paris” – ele exclama – eu vivi todo tempo debaixo daqui! Com isto, ele contempla aquela nova realidade e amplia seus horizontes. Essa é a consciência de estar no mundo como parte dele, perceber-se parte de um planeta, com a possibilidade de influir nesta realidade.

Essa contemplação o faz ver seus sonhos com novo olhar. Não teme nenhuma aventura, corre de um lado para outro, se joga na busca de seus objetivos, correndo todos os riscos com determinação e coragem. Nada é dificuldade para tornar o seu sonho uma realidade. Essa novidade é carregada de respostas novas. Coisas até então, impensadas, que ele vai vivendo, o obriga a criar e inventar meios de lidar com essa ordem que começa a se instaurar pelas suas descobertas e pelos encontros que vai travando no seu caminho. Um caminho marcado por várias escolhas e encantamentos.

Entre as decisões está o encontro com sua família nesta nova condição. Ele enfrenta o pai, chefe do clã, que tem a tarefa de transmitir aos/às filhos/as o modo de vida dos ratos. Afirma que tem outros caminhos a percorrer e que suas escolhas não afetam o amor pela família; porém, ele precisa sair deste espaço para construir outros em que ele se perceba e se realize. O diálogo é carregado de ameaças para fazer o/a jovem rato voltar para uma vida comum. Contudo, o rato que lê receitas, de repente passa ler outras situações mais amplas, como as estruturas que organizam o restaurante. Ele questiona aquele que se diz proprietário dos bens e das idéias que faz mover o funcionamento do mesmo.

O rato lê receitas e não as repete. Ele recria porque crê, na sua intuição, que os encontros dos sabores faz surgir algo novo. Vai além: no jovem desajeitado, filho bastardo de um amor que não se oficializou, entre o patrão e a empregada, há uma possibilidade não organizada. Este jovem não seguirá o caminho do patrão, do pai, porque sua sensibilidade é outra, porém é herdeiro. O rato acredita no jovem. Diante do jovem curioso e desajeitado que inicia pela sopa, ele percebe que pode salvar a sua iniciativa, dá um toque especial, transformando a sopa em algo novo e inusitado, despertando novos sabores e exigindo passar de novo pelo mesmo lugar, repetindo a sopa. E para isto o jovem precisa do rato cozinheiro. Aí começa a aventura entre os dois.
No início, seu acompanhamento é confuso (mordidas e manipulações) para que o jovem reproduza suas idéias. Por causa dos conhecimentos repetidos do rato, o jovem recebe reconhecimento, faz novas conquistas; porém, carrega o drama da repetição que não o realiza, enfrenta todas as desconfianças com vigilância constante daquele que controla a ordem. O rato, também provoca e desperta o jovem para outros encontros com novas descobertas. No entanto, diante do conflito, no momento que exige sua participação decisiva, o jovem coloca seus dons com habilidade a serviço da causa, de uma nova ordem estabelecida.

O movimento de percepção do rato o faz ler outras situações mais amplas, como as estruturas que organizam o restaurante. O controlador da ordem vigente é impostor, que não respeita os sabores, segue as receitas, nada entende de encontro dos sabores, planeja lucro e somente esse resultado, nada além disto. Essa leitura faz o rato enfrentar a estrutura criada pelo que ocupa a ordem vigente, com seus meios de produção indevidos, e ele luta pelos direitos da outra pessoa, herdeira desta nova ordem, filho jovem de uma trabalhadora. O rato, com esta informação,corre atrás para torná-la conhecida e a comunica de tal modo que o herdeiro assume a tarefa de organizar o restaurante.

Ele enfrenta também as idéias oficiais, ou seja, os críticos às mudanças, que estão sempre de plantão, classificando, no sistema e estabelecendo uma visão de mundo sobre o fato. Estes críticos têm o poder de criar opiniões e todas as pessoas crêem no que eles dizem a ponto de intervir na produção, dando possibilidade de continuar ou não no circuito, por causa de convenções.
Ao romper com as receitas prontas, encontrando o sabor dos temperos, a ponto de fazer o milagre da memória, que provoca a experiência mais fundante da vida, do amor, da acolhida, do estar junto, do olhar para o/a outro/a e retomar a experiência que o reconstitua como pessoa. Essa experiência é capaz de abrir outras possibilidades, crer no que antes era improvável. Retomar as teorias, experimentar novos sabores. Melhor, abre-se ao conhecimento a ponto de deixar surpreender-se pelo desejo de saborear algo novo.

É notório que a nova ordem, analisada pelos fiscais de plantão, não pode se estabelecer no mesmo lugar. É preciso criar também novos espaços, onde essa nova ordem possa se estabelecer e gerar outros encontros, inclusive com mais dignidades para aqueles/as que estavam excluídos, no lixo, e que agora estão tendo a possibilidade de experimentar o prazer da dignidade e do reconhecimento.

Nossa história também é marcada por vários momentos que exigem decisão e nem sempre elas são marcadas por acertos. Nos acompanhamentos que fazemos aos/às jovens, no início são desajeitados/as para as buscas e depois, quando encontram o sentido da vida, da causa, revelam suas habilidades. Assim como subverter a ordem, antes de privilégios para alguns, com um estilo e uma organização, poder criar nova ordem, onde o prazer e a pessoa possam estar no centro, de modo a realizar suas potencialidades.

Vivemos momentos assim em nossa história, quando nos deparamos com a organização do Fórum Social Mundial, com a busca de “outro mundo possível”, que tem essa idéia de subversão, dizendo um não a esta ordem que está posta, criticando a concentração de renda que está em poucos, de modo que alguns têm demais, com todo luxo, e a maioria não possui o necessário para sobreviver, vivendo do lixo, como os ratos.

Somos convocados/as a construir projetos de vida, a compreender como estão estruturadas essas lógicas do sistema neoliberal para romper, desde o modo de andar, modo de organizar nossas atividades, nos relacionar, criando, desde o pequeno, estruturas que vão estabelecendo a possibilidade de vários projetos de vida, em todos os níveis: pessoal, comunitário e societário.


O filme é uma ferramenta importante para o debate para além da comida. É um convite a pensar projetos de vida, onde subverter a ordem significa instaurar a vida em abundância para todos/as.




Carmem Lucia Teixeira

CAJU – Abril de 2008


Artigo disponível em: http://www.casadajuventude.org.br/index.php?option=content&task=view&id=1891&Itemid=0

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