quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O CHÁ DERRAMADO

O Chá Derramado



Certa vez um professor universitário, com fama de saber tudo, foi visitar um velho sábio. Queria testar os conhecimentos do ancião. O sábio acolheu muito bem o professor, escutando com paciência suas perguntas e questionamentos. Chegou a hora de servir o chá. Sempre sorrindo, o sábio começou a encher as xícaras. A do professor ficou bem cheia, mas o sábio continuou a despejar o chá, derramando-o na mesa. O professor pensou que o velho estivesse distraído ou mesmo tivesse algum problema na cabeça por ser tão descuidado, e disse em tom áspero:

- O senhor não está vendo que a taça está cheia e não cabe mais? O velho sábio, calmamente, respondeu:

- Assim como esta xícara está trasbordante de chá, o senhor está cheio da sua erudição, das suas opiniões, das suas hipóteses complexas. A minha sabedoria só pode ser compreendida pelos corações simples e abertos. Como eu posso comunicar-lhe um pouco desta sabedoria sem antes, o senhor, esvaziar a xícara da sua arrogância?

-Tenho a impressão que uma das nossas maiores dificuldades para dar ouvido à mensagem da fé, à boa notícia de Jesus, é ter a nossa cabeça e o nosso coração cheios de idéias, pré-conceitos, auto-suficiência e propaganda. O tempo do Advento deve servir para nos prepararmos para o Natal do Senhor. Contudo, se olharmos ao nosso redor, parece que isso já esteja acontecendo ou passando rapidamente, sem graça nenhuma, além dos chavões natalinos e de fim de ano. Entendo que o comércio vive e prospera com isso, porém cabe a nós saber distinguir o Natal de Jesus do que é aparência e correria das festas.

Não é por acaso que João Batista pregava “no deserto”, longe da cidade, do barulho, da preocupação de cumprir horários e honrar compromissos. Para entender um pouco o que está acontecendo na nossa vida, precisamos parar, calar e escutar. Se acharmos que está tudo certo, que não precisamos entender mais nada, ou nos questionar sobre nada, é porque confiamos demasiadamente no nosso saber, nas nossas interpretações, ou naquilo que nos é apresentado com enfeite e pisca-pisca. Provavelmente não estamos nem um pouco curiosos e, menos ainda, aguardando alguma coisa, de verdade e sinceramente.

Como sempre, Deus pede para entrar na nossa vida. Não o faz com chamadas publicitárias, colocando-se agressivamente de baixo dos nossos olhos e enchendo de zoada os nossos ouvidos. A sua vinda demorou muitos anos para acontecer. Muitos profetas a anunciaram. Muitos deviam estar preparados, atentos e ansiosos. Não foi bem assim que aconteceu. Naquele tempo também, tudo continuou na mesma confusão. Brigas de poder, enganos, mentiras, violências e medos.

Será que hoje não adianta mais insistir? Pode ser que sabidos, inteligentes e expertos como somos, achamos impossível, e até inconveniente, que Deus tenha se preocupado tanto com a nossa história para entrar no meio dela igual a nós - fraco e pequeno como nós. Com essas idéias nunca iremos entender o Natal. No máximo prepararemos os presentes e a geladeira cheia, quem puder, claro.

Ainda não paramos suficientemente para nos perguntar sobre o tamanho do acontecimento e sobre as suas razões. Ou o Natal é uma piedosa historinha para crianças, com camponeses, anjos, bois e burros, ou pode ser o maior evento da história humana. Aquele que o universo não pode conter, que está acima e, ao mesmo tempo, tão perto de todos nós, como nos lembra a Bíblia, e que decidiu partilhar a nossa natureza humana, para nos falar e nos ajudar. Pode ser uma luz na confusão da nossa existência, uma palavra de esperança para quem admite desconhecer o rumo da história do planeta e da sua vida. Contudo se nos acharmos já satisfeitos e fartos, o Natal de Jesus passará sem deixar rastos. Mais uma graça jogada fora, uma ocasião perdida.


Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá

Fonte: CNBB


Disponível em: http://www.revistamissoes.org.br/artigos_ler.php?ref=2638

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