quinta-feira, 26 de março de 2009

EU VI O FILME


Assisti ao polêmico filme do Mel Gibson, sobre a Paixão de Cristo. É difícil formar uma opinião sobre ele, dada a multiplicidade de aspectos sob o qual se pode analisá-lo.



Vi, de positivo, várias coisas. A língua usada não é o inglês, mas os personagens falam aramaico, latim e grego. É impressionante escutar Jesus falando aramaico, a língua que usou realmente no seu dia-a-dia, exclamando Abbá e Adonai na oração! Também positiva é a pretensão de Gibson de mostrar que Jesus morreu pelos pecados do mundo; desde o início ele cita o profeta Isaías: “Ele tomou sobre si as nossas dores e carregou-se com os nossos pecados...” (Is 53,4). O filme não tem nada de anti-semita e não pretende jogar culpa alguma especial sobre os judeus. Afirmar que há ali algo contra os israelitas é paranóia pós-holocausto! Só dois exemplos para mostrar isso: é um judeu, chamado de “judeu” no filme, Simão Cirineu, quem defende Jesus das atrocidades dos soldados romanos. Além do mais, a horripilante sessão de tortura a que Jesus é submetido, não lhe é infligida pelos judeus, mas pelos soldados de Roma. Positiva ainda é a apresentação da Eucaristia como verdadeiro sacrifício de Cristo, bem como o realce que se dá à figura da Virgem Maria. Há duas cenas muito tocantes: a primeira, quando Jesus, ainda criança, cai e a Virgem o ampara; a outra, ele, já adulto, em casa, conversando informalmente com a Mãe, chega a brincar com ela, molhando-a com um resto d’água. Portanto, um Jesus brincalhão e sorridente, um Jesus humano! A música e, sobretudo, a fotografia do filme são soberbas, muito belas.

Há também aspectos que não me agradaram muito. Não gostei de o autor ter tomado simplesmente a paixão e morte de Jesus – o filme começa com a agonia no Jardim das Oliveiras. Seu sofrimento somente pode ser compreendido à luz do que ele fez e ensinou durante toda a sua vida. Também é falho o modo como a ressurreição é apresentada: ocupa um espaço muito pequeno, quase como se não tivesse importância. No entanto, os cristãos sabem que sem a ressurreição não haveria salvação para a humanidade! Vendo o filme, parece que o centro do mistério de Cristo é o seu sofrimento e a sua morte, o que não é verdade! Mel Gibson exagera muito na violência. Certamente, a paixão do Senhor não foi um passeio nem um faz-de-conta. Mas, o autor dá asas à imaginação... Há um excesso de apelo à violência, sim! Há também uma valorização indevida do sangue de Jesus. Numa cena, a Virgem, acompanhada de uma outra mulher, recolhe, com panos, o sangue derramado na flagelação. É preciso compreender que, na Escritura, o sangue derramado simboliza a vida dada. Quando dizemos que o sangue de Cristo nos salva queremos dizer que sua vida, entregue ao Pai por nós com amor até a morte, é causa da nossa salvação. O sangue material, orgânico, de Jesus, não é uma porção mágica com efeito salvador! Também não foi positivo o apelo a certos recursos para mostrar a presença do Maligno. Por exemplo: o mau ladrão tem o globo ocular carcomido por um pássaro negro e Judas suicida-se junto a um asno em estado de putrefação. São imagens para mostrar a presença do mal e da morte no pecado... Mas são chocantes e de mau gosto, grotescas mesmo.

Bom, tudo somado, é interessante ver o filme. Ele recorda sempre que a cruz do Senhor não foi uma brincadeira nem o seu amor por nós, uma idéia vaga. Como diz São Pedro, nós fomos resgatados por um preço alto: a vida entregue do Filho de Deus (cf. 1Pd 1,18s). O filme nos convida a levar a sério o Cristo que se entregou por nós e morrer com ele para o pecado. Ninguém deveria ficar indiferente diante de um Amor que nos amou assim...

Mas, uma coisa que me impressionou mesmo foi ver uma certa frieza e indiferença da platéia: atrás de minha poltrona, um casal conversou o filme todo, indiferente ao que se passava na tela. Na poltrona da frente, uma jovenzinha passou toda a exibição ajeitando o cabelo, atrapalhando, com seus cotovelos elevados, as pessoas que estavam atrás. Ao lado, um pouco mais adiante, um rapaz, sentado como na casa da sogra, falava tranqüilamente ao celular. Conclui duas coisas, certamente de graus de gravidade diversos: uma menos grave: nosso povo ainda não tem educação nem para ir a um cinema; e outra, muito, muito desconcertante: estamos ficando tão paganizados, estamos perdendo de tal modo a noção das coisas da fé, que assistir à Paixão do Cristo é tão indiferente quanto assistir a mais um dos filmes de violência da televisão e do cinema! Recordei-me, então, de como se vivia a Sexta-feira Santa há trinta anos atrás... Vendo como hoje a Semana Santa é tempo de praia, como as agências de turismo fazem pacotes pagãos de “Semana Santa”, como as rádios e televisões exibem programação totalmente pagã, desconhecendo o mistério da morte do Senhor, saí com esta triste impressão: para o homem de hoje, parece que, na verdade, pouco importa Jesus; cada um que cuide de sua vida! Quanto a esse Jesus de Nazaré, para muitos, muitos mesmo, não passa de um personagem do baú da história... Que pena. De fininho, sem drama nem alarde, matamos Jesus na nossa vida!

Cônego Henrique Soares da Costa
Arquidiocese de Maceió.
Reitor da Igreja Nossa Senhora do Livramento (Centro de Maceió).

Disponível em: http://www.padrehenrique.com/editoriais_semeador.htm#


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