sexta-feira, 17 de abril de 2009

CUMPLICIDADE, MORALIDADE E ESCÂNDALO.




1. Definição de Cumplicidade (Cat 1868-1869)

Por cumplicidade entendemos aqui o auxílio que alguém presta à realização de um ato mau que outra pessoa resolveu executar. Distinguimos entre cumplicidade formal e cumplicidade material.

1.1. Cumplicidade Formal - Esta consiste em colocar-se diretamente a serviço do mal, seja porque o cúmplice quer o pecado alheio, seja porque lhe presta uma colaboração que, por sua índole mesma, significa aprovação desse pecado. A cumplicidade formal é sempre pecaminosa. Será mais ou menos grave de acordo com o tipo de pecado para o qual ela contribui e a importância de tal colaboração. A título de exemplo, seja citado o caso da enfermeira que colabora diretamente para a realização de um aborto; ainda que não tenha a intenção de contribuir para um pecado, a sua participação no abortamento é, por sua índole mesma, pecaminosa (não basta não ter a intenção de não pecar para que não haja pecado, se a ação como tal é pecaminosa). Outro exemplo é o do policial a quem mandam que aplique tortura a um prisioneiro; não pode eximir-se de responsabilidade, alegando que não age por própria iniciativa, mas apenas executa ordens superiores.

1.2. Cumplicidade Material - A cumplicidade material é um ato moralmente bom ou indiferente do qual alguém abusa, fazendo-o servir ao pecado. Quem é cúmplice nestas condições pode não saber das intenções alheias. É o caso de quem vende uma arma de caça (ação que em si não é pecaminosa) a alguém que vai utilizar-se dela para cometer um assassínio. É também o caso de quem ajuda a transportar objetos roubados, julgando que pertencem legitimamente à pessoa solicitante (e imaginando mesmo estar realizando assim um ato de caridade).

2. Moralidade da Cumplicidade Material

O cúmplice que ignora por completo as intenções do seu parceiro e age de boa fé, está isento de culpa. Há casos, porém, em que o cúmplice pode prever o mau no uso do seu serviço, ou suspeitar dele porque conhece o parceiro e o seu procedimento habitual ou porque anteriormente já fez experiências semelhantes. Em tais circunstâncias, a pessoa chamada a colaborar deve ponderar a sua cooperação: - Se a sua ação tiver uma finalidade boa, independente do pecado do parceiro - Se o bem visado pelo cúmplice compensar o mal ou o pecado do parceiro. - Se a intenção do cúmplice for voltada tão somente para o bem - Se não houver como evitar esse tipo de colaboração. A matéria é muito complexa, pois são frequentes os casos de colaboração na sociedade moderna. Essa finalidade boa não pode ser simplesmente o desejo de lucro, ou o receio de prejuízos materiais. Se alguém aluga um apartamento ou um quarto a um cliente cujas intenções desonestas (adultério, prostituição ...) lhe são conhecidas, peca gravemente. Verdade é que quem aluga pode geralmente presumir bom uso do apartamento mas, no caso em foco, as más intenções do locatário são patentes, o que implica na obrigação de não alugar. Quanto mais diminui a iniciativa pessoal, tanto mais diminui também a cumplicidade propriamente dita. Tais são os casos da datilógrafa que, entre outras coisas, bate faturas fraudulentas (que ela não pode identificar claramente); o do gráfico que contribui para imprimir páginas, às vezes, pornográficas (que ele não reconhece bem); ... o do funcionário de balcão que faz pacotes de mercadorias que ele mal conhece ... Quem presta colaboração material a uma empresa desonesta para poder ganhar seu pão, não tem a obrigação de abandonar imediatamente a empresa (o objetivo de sobrevivência justifica a sua permanência na firma), mas deve, sem demora, procurar outro emprego ou meio de subsistência. Pode-se admitir que alguém colabore materialmente com pessoas desonestas se tem em mira exercer sobre elas uma influência sadia e transformadora (esta finalidade boa compensa os males que indiretamente decorrem da colaboração). A um católico não é lícito ser testemunhas do casamento civil de dois católicos divorciados que contraem novas núpcias. Far-se-ia cúmplice de um ato que a consciência católica não aprova.

3. Definição de Escândalo (Cat 1938, 2282s, 2326, 2353s, 2489)


A palavra grega "skándalon" significa "pedra de tropeço". Na linguagem teológica designa toda palavra ou obra capaz de tornar-se para outrem ocasião de ruína espiritual. Jesus Cristo mesmo censurou severamente a prática do escândalo (cf. Mt 18, 6s). Entende-se por escândalo toda palavra ou ação, contrária à caridade, que cria perigo de pecado para o próximo, seja por intenção de prejudicá-lo, seja para atender a interesses particulares. O ato em si pode não ser "mau", mas se sua aparência for "má" deve ser evitado, segundo o conselho de Paulo: "...tomai cuidado para que essa mesma liberdade, que é vossa, não se torne ocasião de queda para os fracos" (Rom 8, 9). Podemos classificar o escândalo como intencional ou não intencional, isto é, quando é premeditado e quando ocorre por negligêcia. As palavras de Cristo nos advertem contra tal perigo: "Desgraçado do mundo que causa tantas quedas! decerto, é necessário que haja escândalos, mas ai do homem por quem acontece a queda!" (Mt 18, 7).

4. A Moralidade do Escândalo


O escândalo quando premeditado é pecado grave, haja vista os textos do Evangelho que o condenam: Mt 18, 7-9. S. Paulo também o reprova (1Cor 8, 12s; Rm 14, 15). O fato de que a vítima não se tenha deixado seduzir para o mal não diminui a gravidade do pecado. Mesmo que alguém só procure seduzir para um pecado leve, pode estar cometendo pecado grave, especialmente se o sedutor é uma pessoa que, por seus encargos, deveria levar os outros à prática do bem. Entre as maneiras de dar escândalo, está o mau exemplo. Alguém pode induzir os outros ao mal mesmo sem falar, mas simplesmente cometendo pecados. Tal comportamento pode ser contagioso, pois os exemplos arrastam e podem alastrar-se de pessoa a pessoa ou de grupo a grupo, causando danosa degradação de costumes. Sabe-se que a tibieza de vida e a mediocridade dos cristãos, especialmente daqueles que têm mais responsabilidade, vêm a ser grandemente prejudiciais para a sociedade eclesiástica e para o foro civil. De resto, a má conduta de alguém tem suas raízes em pecados internos dessa pessoa; são estes que remotamente preparam o escândalo - o que exige sempre a conversão do sedutor. Existe grave obrigação de reparar o escândalo. Quem o provoca deve procurar deter a má influência desencadeada e restaurar os valores lesados, na medida do possível. Como já foi dito, há escândalos que decorrem de ações que em si não são moralmente pecaminosas. É lícito promover uma ação benéfica, mesmo com risco de escândalo, desde que se cumpram as condições para exercer uma causalidade com duplo efeito: assim, por exemplo, quem, levado por espírito apostólico, deseja trabalhar na recuperação de pessoas entregues à prostituição, estará exercendo uma atividade que poderá ser mal entendida; todavia esta será legítima se for isenta de pecado, visto que o bem a ser atingido será muito mais vultuoso do que os males eventuais. O escândalo dos fracos deve-se à simplicidade da pessoa que se escandaliza. É necessário evitá-lo, tanto quanto possível, ainda que a custo de sacrifícios por parte da pessoa tida como escandalosa. O próprio Cristo assim procedeu: (cf. Mt 17, 24-27).


5. O Cristão e o Problema do Escândalo


Em nossos dias a consciência de muitos cristãos pode estar confusa e com a responsabilidade atenuada por causa das numerosas opiniões correntes sobre certos pontos de Moral: o aborto, os métodos de contracepção, de controle da natalidade, a masturbação, etc. É preciso que haja quem dissipe a perplexidade e as atitudes errôneas decorrentes de tal multiplicidade de "sentenças". São Paulo considerou o caso de cristãos que, tendo a consciência mal formada, julgavam que não era lícito comer carnes imoladas aos ídolos (o que, na verdade, não era pecado); declarava, em consequência, que preferia abster-se de tais alimentos (renunciando a um direito seu) a escandalizar irmãos, pelos quais Cristo morreu; (cf. I Cor 8, 7-13; Rm 14, 19-21). Fica claro que os cristãos mais esclarecidos têm a obrigação de procurar instruir os mais simples a fim de que compreendam melhor o que é e o que não é pecado. A atenção para com os fracos e a reparação dos males a eles causados são deveres que se impõem ao bom cristão. Devemos avivar o senso da responsabilidade pessoal diante dos escândalos.


Não basta registrar os escândalos e lamentá-los (ou, o que é grave, comentá-los e torná-los públicos), é necessário que cada cristão lembre-se que lhe toca uma responsabilidade perante tais males; com efeito, somos todos solidários entre nós, de modo que as falhas de uns podem estar na dependência de falhas de outros e podem encontrar seu remédio na santidade de vida dos irmãos. Para frear uma tendência a comentar o mau procedimento alheio, pode-se lembrar a máxima dos antigos monges: "Quem tem um morto em casa, não o abandona para prantear o morto do vizinho". Denunciar os escândalos, quando necessário, não pode ser a última palavra de um programa cristão. O Senhor quer que os seus discípulos tenham uma função construtiva em relação aos irmãos, fazendo as vezes de sal da terra, luz no mundo (Mt 5, 13s) e fermento na massa (Mt 13, 33). Aliás, Deus só permite os escândalos para que deles saiam bem maior. Podemos ainda falar de um "escândalo salutar". Com efeito; a vida cristã coerente pode sacudir, abalar e "escandalizar"; a palavra do Evangelho, oportunamente anunciada, pode "assustar" os ouvintes e provocá-los a façanhas que fogem da rotina, deixando perplexos os espectadores.


Nesta perspectiva, Jesus foi o grande Escândalo; a pregação dos Apóstolos também o foi (cf. I Cor 1, 23). É importante considerar que neste sentido não estamos tratando de escândalo enquanto pecado, mas da força transformadora da Palavra de Deus, penetrante como uma espada de dois gumes, que fere o íntimo de cada homem (cf. Hb 4, 12s). Na verdade, o cristão não pode pactuar com o mal; tem que tomar posição contrária, que por vezes pode "escandalizar"... Sabiamente dizia o Papa Pio XI: "O maior obstáculo ao apostolado é a timidez ou, antes, a covardia dos bons", e Pio XII: "O cansaço dos bons é o grande mal da nossa época". É preciso, porém que os cristãos não suscitem atritos desnecessários. Saibam aguardar e aproveitar os momentos adequados para tomar a autêntica atitude frente aos males que os cercam, evitando posições intempestivas e passionais que, em vez de edificar, só fomentam os erros. Dentro da Igreja é necessário que os fiéis saibam distinguir entre sua santidade ontológica e a fragilidade das pessoas que lhe pertencem. Se estas falham, aquela não falha, pois o Senhor lhe prometeu assistência indefectível (Mt 28, 18-20). Um Cristianismo sem fraqueza humana não existe; seria um milagre, que Deus não quer fazer. "O justo vive da fé".


Escola de Formação Shalom

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