“Para os cidadãos, o desemprego é uma das piores formas de repressão. É uma demonstração na sua própria carne da violência do capitalismo”. A afirmação é de Ignacio Ramonet, em matéria publicada no Le Monde Diplomatique, edição portuguesa de março de 2009. Ele esclarece que, com a crise econômica e financeira, a chaga do desemprego se alastra pelo mundo. Provoca a multiplicação de protestos sociais, acompanhados de confrontos violentos. A mesma fonte mostra que nos Estados Unidos, a recessão destruiu 3,6 milhões de postos de trabalho, sendo que o total de desempregados supera os 11,6 milhões. Na China, a queda das exportações já desempregou mais de 20 milhões de trabalhadores. Na Índia, entre outubro e dezembro de 2008 foram extintos 500 mil postos de trabalho.
O fenômeno atinge também países da Europa. Na França, já existem mais de 2,5 milhões de desempregados. Na Espanha, no último mês de janeiro, o número de desempregados aumentou em quase 200 mil, sendo que o total de desocupados ultrapassa os 3,32 milhões. Em toda a União Européia, os desempregados chegam a 17,5 milhões. Para 2010, a previsão é de que a desocupação atinja 10% da população ativa. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2009, a América do Sul terá mais 2,4 milhões de desempregados. Juan Somavía, diretor geral da OIT, prevê um acréscimo de 51 milhões de pessoas desempregadas no mundo durante o ano de 2009, que se somarão aos 190 milhões já existentes.
O desemprego trás uma série de conseqüências pessoais, familiares e sociais, como demonstra o filme Lunes al Sol (Segundas ao Sol), dirigido por Fernando de Aranoa. Nele, é possível perceber o drama vivido por um grupo de desempregados no Norte da Espanha, que foram substituídos pela mecanização. A situação se agrava por conta de terem mais de 40 anos de idade. Sentem-se desqualificados e inúteis para o mercado de trabalho. Para obterem um novo emprego, fazem diversas tentativas pessoais: procuram aprender informática, mudam a aparência etc. Tudo em vão! Não há políticas públicas para incluí-los. Enquanto isso, ocorre a desestruturação familiar, a insegurança, a perda de crédito, a violência, a exclusão, o alcoolismo, o desespero, a depressão e até a morte.
Além do grande contingente de desempregados – fenômeno que se verifica por toda parte – cresce a superexploração e situações de escravidão através do trabalho. Se, por um lado, o trabalho é importante e dignifica o ser humano, por outro, a sobrecarga e a precarização violam a dignidade e pode destruir a própria vida. Na sociedade capitalista, tempo é dinheiro e trabalho é sinônimo de mercadoria. Nessa ótica, acelera-se o ritmo da produção e explora-se ao máximo a força de trabalho e os recursos naturais, tudo em vista de obter o maior lucro possível. Os bens passam a ter mais valor de troca do que de uso. É assim a lógica do capitalismo, que cria e mantém diversas contradições entre o capital e o trabalho; entre o trabalhador e os bens produzidos por ele. Submete muitos ao trabalho exaustivo, enquanto possibilita que uma minoria viva sem trabalhar.
Embora a globalização neoliberal não tenha inventado o desemprego e as desigualdades sociais, ela foi responsável por ampliá-los. Isso se verificou especialmente a partir dos anos 90, com o expressivo aumento do desemprego estrutural e da exclusão social. De acordo com Boaventura de Sousa Santos , não estamos apenas atravessando uma crise provocada pelo capitalismo neoliberal; somos também vítimas de modernas formas de colonialismo, o que significa a negação do outro (do diferente), no seu ser, na sua identidade e no seu saber. O sociólogo português acredita que, se não tivermos alternativas ao modelo de consumo, também não teremos alternativas ao modelo de produção.
Quando o capital dispensa o trabalho e o trabalhador é sinal de instalação de uma grave crise social. Isso, porém, não significa o fim do capitalismo, mesmo porque ele se reestrutura de muitos modos. É de sua natureza desenvolver-se à custa do sacrifício dos trabalhadores e reproduzir-se através das estruturas sociais, das relações pessoais, dos modos de trabalho e dos padrões de consumo. Transforma-se em uma cultura perversa que precisa ser combatida no plano pessoal, bem como no âmbito conjuntural e estrutural, ou seja, no micro e no macro.
Para o enfrentamento da chaga do desemprego, são fundamentais medidas como: reduzir a jornada de trabalho, sem diminuir salários; distribuir renda de forma justa; rever a utilização das novas tecnologias para que não substituam os trabalhadores; incentivar as micro e pequenas empresas; rediscutir o papel do Estado; fazer a reforma tributária; garantir uma educação crítica e criativa em todos os níveis e para todos; estimular formas associativas de trabalho; fortalecer a economia solidária; realizar uma efetiva reforma agrária e agrícola, bem como promover a agricultura familiar; valorizar os saberes e as experiências dos povos nativos; combater o capital especulativo; promover manifestações de protesto contra a globalização neoliberal com a participação da sociedade civil organizada...
Em última análise, quando o capital se sobrepõe ao ser humano e à sua dignidade, para dominar, explorar e excluir, não basta somente pensar em alternativas de trabalho. É necessário rever os valores que orientam este tipo de sociedade a fim de buscar alternativas ao modelo de desenvolvimento capitalista. No momento em que o trabalhador é descartado, vale lembrar o que disse Marx: ‘trabalhadores de todo o mundo, uni-vos’! Mais do que nunca é preciso reagir, tendo as estrelas como horizonte, mas os pés no chão.
Antonio Alves de Almeida e Dirceu Benincá,
Doutorandos pela PUC/SP.
Fonte: Revista Missões
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