quarta-feira, 22 de abril de 2009

O PIOR DOS MUNDOS.


Foi terrível. Quatro horas de terror ao vivo, acompanhado por milhões de telespectadores brasileiros. O seqüestro do ônibus no Rio de Janeiro e a tomada de reféns não foi um caso isolado. As mortes do agressor pela polícia (que o asfixiou criminosamente a caminho do hospital) e da vítima, também pela polícia, que agiu de modo impróprio, não são um caso isolado: São Paulo, Rio, Recife, Belo Horizonte, Salvador, Brasília e tantas outras grandes cidades brasileiras têm vivido reféns da violência, quase num ritmo de guerra civil ou, ao menos, de guerrilha urbana. Tenhamos bem consciência disto: não foi um caso isolado, mas um caso a mais – este mais dramático – da violência nossa de cada dia!


Diante se fatos assim a sociedade fica estarrecida e as autoridades, consternadas, dizem que é necessário providências urgentes para debelar tamanha violência. Pensa-se em equipar melhor a polícia, em apressar o novo plano nacional de segurança pública, num maior entrosamento entre governos estaduais e federal no combate à criminalidade. Tudo muito bem, muito legítimo, mas será que basta? Por que não se pergunta pelas causas mais profundas da violência? Não é muito difícil encontrá-las; ao menos algumas são visíveis, palpáveis, óbvias. Vejamos:


(1) A profunda crise social em que nos encontramos. Se é verdade que houve progressos na estabilização econômica, não é menos verdade que ainda há uma multidão de marginalizados pela péssima distribuição de renda no País: desemprego, falta de saúde e educação... Esta situação gera desespero, desestrutura lares, cria situações de tensão insuportável que, de um modo ou de outro, termina extravasando nas ruas, apavorando pessoas e destruindo vidas inocentes.


(2) Há ainda uma crise mais profunda: a crise de valores. A família encontra-se em crise, a escola já não educa, mas apenas transmite conhecimentos, a Igreja perdeu muitíssimo de sua capacidade de comunicação, de atingir as pessoas e, finalmente, os meios de comunicação destróem o restinho de valores morais que ainda temos: divórcio, aborto, infidelidade, violência, desonestidade, impiedade, imoralidade, relativismo religioso, falta de compromisso moral – eis a pregação dos meios de comunicação.


(3) Há, finalmente, a crise religiosa: vivemos num mundo fechado para Deus, para os valores cristãos. Queremos construir uma sociedade com os nossos critérios, com os nossos valores, do nosso modo. Vemos famílias inteiras desevangelizadas, vemos filhos que nunca ouviram falar seriamente de Cristo, da fé católica, do amor de Deus. Vemos o prazer, o lucro, a corrupção dos nossos governantes, o egoísmo erigidos muitas vezes como exemplo, como critério de verdade e norma de sucesso.


Temos que ter a coragem de reconhecer que estamos construindo uma sociedade infernal, uma Babel! Lembremo-nos da história do Gênesis: o homem que deseja construir uma sociedade do seu modo, sendo ele próprio seu deus, seu critério de bem e de mal e seu centro: “Vinde, tornemo-nos famosos, construamos uma torre que chegue ao céu; não os dispersemos...” O resultado? Babel, que significa confusão e dispersão! A história repete-se hoje; é atualíssima!


Voltemos ao Rio de Janeiro. Os meios de comunicação mostraram: um “bandido” e uma jovem inocente... A bela e a fera... Mas, saindo da ficção sensacionalista dos meios de comunicação, a realidade era um pouco diferente. A fera, o “bandido”, como chamaram-no, era um coitado desequilibrado pelos desequilíbrios da vida: era um dos menores sobreviventes da Chacina da Candelária, em julho de 1993, na qual oito crianças foram assassinadas por policiais militares. Desde os três anos de idade ele vivia longe da mãe que o gerou de um motorista com quem não era casada nem convivia. Esta, por falta de condições financeiras, entregou-o a outra mulher para criá-lo. O rapaz já era conhecido da polícia por tentativa de furto e por assalto. Até onde era bandido? até onde era vítima de uma sociedade cruel que engendra um mundo infernal para tantos e tantos? Por mais que nos deixe indignados as cenas bárbaras vistas pela televisão, é preciso pensar bem antes de chamá-lo de bandido! Somente Deus conhece sua história e sonda os corações! Somente Deus sabe até onde vai a culpa dele e onde começa a nossa! Na vida, em geral, não há mocinhos e bandidos, há pessoas de carne e osso – como dizia Renato Russo, “gente comum que ama de verdade, gente que deseja um mundo mais verdadeiro, gente que junto haverá de mudá-lo, gente que encontramos pela rua da cidade”. Sinceramente, não sei se o bandido era melhor ou pior que nós, os equilibrados e inocentes, ou as autoridades políticas de nosso País... E a bela? Era uma jovem, que tinha todo direito de viver e ser feliz e teve sua vida irresponsável e violentamente ceifada de modo abrupto e absurdo...


Até quando construiremos um mundo assim? Até quando transformaremos em deserto o jardim que Deus plantou desde o princípio? Até quando destruiremos a solidariedade e a comunhão que Deus tanto quis para a humanidade tão amada por ele? Até quando teimaremos em construir um mundo do nosso jeito, sem Deus, sem amor, sem valores, sem solidariedade? Até quando vamos nos afundar no pior dos mundos?


Que os cristãos estejam atentos à parcela de culpa e responsabilidade que têm nisto tudo! Que os cristãos não nos omitamos: Jesus dizia que a lâmpada do corpo é o olho; se o olho está nas trevas, quão grande serão as trevas! Se nós, que temos a Luz, vivemos como se estivéssemos nas trevas, quão grandes serão as trevas nossas e do mundo!





Monsenhor Henrique Soares da Costa
Bispo eleito auxiliar de Aracaju.




Disponível em:
http://www.padrehenrique.com/editoriais_semeador.htm#

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