Viver para trabalhar ou trabalhar para viver? Viver sem trabalhar ou trabalhar sem viver? Esses dilemas atravessam os tempos. Agora, mais do que outrora, são centrais porque a globalização neoliberal está colocando o trabalho na gaveta do capital. Trata o trabalho como uma mercadoria, igual à terra, à água, à energia etc. Com a globalização, associada às novas tecnologias, as empresas estão intensificando as demissões. Basta-lhes um número reduzido de trabalhadores qualificados, que passam a ser chamados de “colaboradores”.
Este tipo de globalização apresentou a nova divisão social do trabalho como grande novidade dos tempos modernos, com a promessa de gerar mais empregos. Contudo, com ela, foram precarizadas ainda mais as relações e as condições de trabalho, aumentou o individualismo e fragmentaram-se as unidades produtivas. Os trabalhadores tendem, cada vez mais, a perder sua identidade coletiva e sua força de reivindicação de direitos. A flexibilização das leis trabalhistas tornou-se sinônimo do aumento de trabalhadores superexplorados, escravizados, desempregados e descartados. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 1995 e 2005 a taxa de desemprego aberto global foi de 25% no mundo. Para o capital, a centralidade está na produção e não no ser humano que trabalha. Nessa lógica, a desregulamentação do mercado de trabalho é fundamental.
O trabalho não terá fim, como teorizaram alguns autores. Ele continuará a existir e a gerar riqueza que, infelizmente, segue sendo apropriada por uma minoria de “capitães do trabalho”. O capitalismo se nutre do contraditório. Necessita tanto da tecnologia de ponta e do trabalho de “gabinete” quanto do trabalho escravo. Embora este acompanha a história da humanidade, com a globalização neoliberal ele é reinventado e utilizado como um fator estratégico. O sistema capitalista se move sob a lógica da diminuição dos custos da produção para poder acumular mais lucros.
A questão é complexa, como afirma Sebastião Salgado (Uma arqueologia da era industrial. Lisboa: Caminho, 1993:7): ‘Com o trabalho houve o aumento brutal na produção e o aprimoramento desta leva a um limite: o mundo superdesenvolvido produz apenas para a parcela da humanidade que pode consumir. E esta parcela é de aproximadamente um quinto da população do Planeta. Os outros quatro quintos, a quem caberia o excedente desta produção espetacular, não têm como entrar no consumo. Transferiram tanto de sua renda, transferiram todos os seus recursos para o outro lado, o lado que atropelou o futuro e colocou novos horizontes em suas aspirações, que não tem mais como chegar lá. O Planeta continua dividido. O Norte em crise de excesso e o Sul cada vez mais mergulhado na carência’.
Pensar o tema do trabalho não é tão simples. O sociólogo Anthony Giddens define trabalho, seja remunerado ou não, “como a realização de tarefas que envolvem o dispêndio de esforço mental e físico, com o objetivo de produzir bens e serviços para satisfazer necessidades humanas. Uma ocupação ou emprego é um trabalho efetuado em troca de um pagamento ou salário regular. O trabalho é, em todas as culturas, a base da economia.”(Sociologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001:378). Mas, não é só isso, pois envolve dimensões objetivas e subjetivas, aspectos econômicos e também éticos. Tem inúmeras compreensões, significados, motivações, resultados e aplicações.
Na complexidade do mundo do trabalho, é preciso pensá-lo por um lado distinto daquele tratado pelo capitalismo. Importa fortalecer as formas solidárias, éticas e justas de trabalhar, o que está em sintonia com a prática da economia solidária. Não basta buscar uma alternativa dentro da economia de mercado; é necessária uma alternativa ao mercado capitalista. Nesse sentido, é significativo o conceito de trabalho decente, formalizado pela OIT em 1999. Ele aponta a necessidade da melhoria da qualidade do emprego, com remuneração justa, amparada pelas leis trabalhistas, que permita uma vida digna. Em outras palavras, significa que o trabalho não pode ser uma mercadoria que se compra e vende.
O trabalho só deixará de ser uma mercadoria quando o ser humano deixar de ser visto como uma peça na engrenagem do capitalismo produtivista. Quando a atividade laboral garantir condições para satisfazer as necessidades básicas de “pão” e “poesia”. Tratado como mercadoria, o trabalho se descaracteriza em sua essência, subtraindo a dignidade e a criatividade de quem o realiza. Não é correto, nem justo ou apreciável que o trabalho em excesso ou mal remunerado, bem como a falta dele se transforme em causa de opressão e exclusão.
É essencial compreender o trabalho como forma de garantir o bem viver de todos. No dizer, de Eduardo Galeano, precisamos sonhar com outro mundo possível onde a gente trabalhará para viver em lugar de viver para trabalhar; onde não se chamará nível de vida ao nível de consumo, onde ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão, onde cada noite será vivida como se fosse a última e cada dia como se fosse o primeiro. Nesse novo mundo, o trabalho não será um pesadelo, mas um ato criativo, de prazer e realização humana!
Antonio Alves de Almeida e Dirceu Benincá,
Doutorandos pela PUC/SP.
Fonte: Dirceu Benincá / Revista Missões
Disponível em: http://www.revistamissoes.org.br/artigos_ler.php?ref=2812
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